quinta-feira, 10 de maio de 2018

CRÔNICA: RETRATO DE VELHO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Crônica: Retrato de velho 
               Carlos Drummond de Andrade

   Tem horror a criança. Solenemente, faz queixa do bisneto, que lhe sumiu com a palha de cigarro, para vingar-se de seus ralhos intempestivos. Menino é bicho ruim, comenta. Ao chegar o avô, era terno e até meloso, mas a idade o torna coriáceo.
        No trocar de roupa, atira no chão as peças usadas. Alguém as recolhe à cesta, para lavar.
    Ele suspeita que pretendem subtraí-las, vai à cesta, vasculha, retira o que é seu, lava-o, passa-o. Mal, naturalmente.
        – Da próxima vez que ele vier, diz a nora, terei de fechar o registro, para evitar que ele desperdice água.
        Espanta-se com os direitos concedidos às empregadas. Onde já se viu? Isso aqui é o paraíso das criadas. A patroa acorda cedo para despertar a cozinheira. Ele se levanta mais cedo ainda, e vai acordar a dona de casa:
        – Acorda, sua mandriona, o dia já clareou!
        As empregadas reagem contra a tirania, despedem-se. E sem empregadas, sua presença ainda é mais terrível.
        As netas adolescentes recebem amigos. Um deles, o pintor, foi acometido de mal súbito e teve de deitar-se na cama de uma das garotas. Indignação: Que pouca-vergonha é essa? Esse bandalho aí conspurcando o leito de uma virgem? Ou quem sabe se nem é mais virgem?
        – Vovô, o senhor é um monstro!
        E é um custo impedir que ele escaramuce o doente para fora de casa.
        – A senhora deixa suas filhas irem ao baile sozinhas com rapazes? Diga, a senhora deixa?
        – Não vão sozinhas, vão com os rapazes.
        – Pior ainda! Muito pior! A obrigação dos pais é acompanhar as filhas a tudo quanto é festa.
        – Papai, a gente nem pode entrar lá com as meninas. É coisa de brotos.
        – É, não é? Pois me dá depressa o chapéu para eu ir lá dizer poucas e boas!
        Não se sabe o que fazer dele. Que fim se pode dar a velhos implicantes? O jeito é guardá-lo por três meses e deixá-lo ir para outra casa, brigado. Mais três meses, e nova mudança, nas mesmas condições. O velho é duro:
        – Vocês me deixam esbodegado, vocês são insuportáveis! – queixa-se ao sair.
        Mas volta.
        – Descobri que paciência é uma forma de amor – diz-me uma das filhas, sorrindo.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Retrato de velho. In A bolsa & a vida.
Rio de Janeiro, 1962. p. 207-209.
 Entendendo a crônica:

01 – Que tipo de narrador aparece nessa crônica e em que pessoa a narrativa se constrói?
      O narrador é observador, embora, na última frase, apareça como interlocutor. Por isso, a narrativa é construída na 3ª pessoa.

02 – A personagem principal, aqui, tem seu “retrato” minuciosamente feito pelo narrador. Mas ele usa de dois procedimentos diferentes:
a)   Ele mesmo, narrador, ou outra personagem, apresenta as características do pai/sogro/avô;
Os exemplos são vários. Um deles é a fala da neta. O narrador fala em “velho implicante”, “coriáceo”, “duro”.

b)   As atitudes e falas do velho falam por si, completam o retrato feito pelos outros.
Todas as falas dele são reveladoras. Você pode escolher. Também no início, ele é apresentado agindo: esparramando sua roupa e depois catando-a.

03 – Embora os fatos apresentados sejam todos passados, os verbos aparecem no presente. Que sentido isso traz para você.
      No presente, temos a impressão de que se está montando mesmo um retrato. O presente aproxima a cena, torna-a atual.

04 – No texto, há várias passagem de humor. Indique pelo menos duas situações em que ele se faz presente.
·        A cena do pintor doente e quase expulso.
·        O diálogo sobre as moças saindo com os rapazes.

05 -  Que intenções você acredita que teve o autor, ao escrever essa crônica?
      Além de fazer literatura, ou fazendo literatura, ele parece querer divertir o leitor.

06 – Que sentimentos das pessoas para com esse velho ficam evidenciados nos texto?
      As empregadas, possivelmente, expressam raiva. Mas os familiares mais velhos têm paciência, os jovens e as crianças reagem às implicâncias: uma reclama, o pequeno esconde coisas dele.

07 – A lição primordial passada pelo texto, diz respeito à/ao:
a) Paciência que se deve ter com os mais velhos.
b) As empregadas, muitas vezes, abusam de seus direitos.
c) Os idosos são antiquados e não sabem respeitar o próximo.
d) Gírias do passado ainda devem ser utilizadas nos dias atuais.
e) Não devemos ter paciência com os mais velhos.

08 – Relacione as palavras grifadas com a definição dada entre parênteses e indique a alternativa errada:
a) “para vingar-se de seus ralhos intempestivos.” (=inoportuno)
b) “Esse bandalho aí conspurcando o leito de uma virgem?” (=Corrompendo)
c) “Ele suspeita que pretendem subtraí-las...” (=lavar)
d) “E é um custo impedir que ele escaramuce o doente para fora de casa.” (=retire)
e) “– Vocês me deixam esbodegado, vocês são insuportáveis!” (Tornar uma bodega/bagunça).



5 comentários:

  1. quais são as caracteristicas do avô pressenciado na crônica

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  2. faltou a 9)Circule no texto 10 verbos e reescreva nas linhas abaixo:

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  3. A linguagem utilizada na fala do velho é uma linguagem atual? Justifique com trechos do texto.

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  4. depois de te lido a crônica de Carlos Drummond de Andrade, agora é sua vez de fazer um resumo. resumir é conter o essencial em cada parágrafo, retirando aquelas palavras desnecessárias ao contexto do texto

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