terça-feira, 13 de março de 2018

CONTO: CIÚME - LYGIA BOJUNGA NUNES - COM GABARITO

Conto: Ciúme
          Lygia Bojunga Nunes

        Eu tinha 9 anos quando a gente se encontrou: o Ciúme e eu.
        Era verão. Eu dormia no mesmo quarto que a minha irmã. A janela estava aberta.
      De repente, sem nem saber direito se eu estava acordada ou dormindo, eu senti direitinho que ele estava ali: entre a cama da minha irmã e a minha. A noite não tinha lua nem tinha estrela; e quando eu fui estender o braço para acender a luz, ele não quis:
        “Me deixa assim no escuro.”
        Que medo que me deu.
        Senti ele chegando cada vez mais perto. Fui me encolhendo.
        “Pega a minha irmã” eu falei. “Ali, ó, na outra cama. Eu sou pequena e ela já fez 14 anos, pega ela. Ela é bonita e eu sou feia; o meu pai, a minha mãe, a minha tia, todo o mundo prefere ela: por que você não prefere também?”
        Mas o Ciúme não queria saber da minha irmã, e eu já estava tão espremida no canto (a minha cama era contra a parede) que eu não tinha mais pra onde fugir, então eu pedia e pedia de novo:
        “Ela é a primeira da turma e eu tenho horror de estudar, olha, ela tá logo ali; e ela é tão inteligente pra conversar! Ela diz poesia, ela sabe dançar, o meu pai tá ensinando inglês e francês pra ela e diz que pra mim não vale a pena porque eu não presto atenção, então você pensa que eu não vejo o jeito que o meu pai olha pra ela quando todo o mundo diz que encanto de moça que é a sua filha mais velha? Pega, pega, PEGA ela!”
        “Não. Eu quero é você.”
        E o Ciúme disse aquilo com uma voz tão calma que eu fui me acalmando. E o medo meio que foi passando.
        “Bom” eu acabei suspirando “pelo menos tem alguém que gosta mais de mim do que dela.”
        E aí o vento do mar entrou pela janela, soprou o Ciúme e apagou ele feito vela.

NUNES, Lygia Bojunga. A troca e a tarefa. In Tchau.
Rio de Janeiro: Agir, 1985. p.51.

Entendendo o conto:
01 – Pela leitura do texto, o que leva você a garantir que a narração não é relato de uma “história verdadeira”, um relato de vida?
      Mesmo sem considerar as características do objeto livro, o título do livro e do conto indicariam mais ficção. A personificação do sentimento – Ciúme, com maiúscula é decisiva.

02 – O narrador pode ser ou não personagem da história. Qual é o caso, na narrativa anterior?
      O narrador é a personagem principal.

03 – A opção por um ou outro tipo de narrador traz procedimentos e resultados diferentes para a história.
a)   Em que pessoa a história é narrada?
A narrativa se faz em 1ª pessoa: ...a gente se encontrou: o Ciúme e eu.

     b) Essa escolha torna a narrativa mais ou menos subjetiva? Justifique sua resposta, com passagens do texto.
        Torna o texto mais subjetivo, com os fatos trabalhados do ponto de vista da personagem. O que ocorre tem de ser filtrado por ela.

04 – Indique que outras personagens aparecem nesse trecho e qual a sua importância para a narrativa.
      Aparecem os familiares: irmão, mãe, tia, e principalmente o pai. E o Ciúme.

05 – Por meio de que argumento ou expressões a narradora cria um ambiente indefinido, propício ao aparecimento do Ciúme?
      Estava escuro (como se ela não pudesse “ver” com clareza, e ela não sabia se estava dormindo ou não. É como se ela antecipasse a possibilidade de um sonho.

06 – Indiquem os elementos que marcam a passagem do tempo.
      De repente; quando eu quis acender a luz; então eu pedia e pedia de novo. E o vento disse aquilo...; E o medo foi passando; E aí. (A própria repetição da conjunção aditiva e cria um desdobramento temporal.)

07 – Por que o Ciúme aparece entre as duas camas?
      O sentimento era uma ligação entre a menina e a irmã.

08 – Por que, quanto mais a narradora fala, mais o Ciúme quer ficar com ela, e não com a irmã?
      As falas todas da menina eram representações do Ciúme.

 09 – Por meio de que recursos, usados pelo autor, você sente o medo da menina?
      O uso dos verbos/adjetivos (tão espremida no canto). Mas também pela repetição do “pega ela”. Um deles está todo em maiúsculas.




4 comentários:

  1. Li esse livro na minha infância, e hoje aos 34 anos me recordo com clareza. Muito bom.

    ResponderExcluir
  2. Fiz a leitura desse conto para os meus alunos porque achei a narração super criativa para descrever uma criança com ciúme e, além disso, há muitos elementos de coesão que podem ser observados pelos leitores.

    ResponderExcluir
  3. sempre levo este texto para sala de aula para fazer com que os alunos discutam e descubram que esse sentimento é universal. Peço que redijam sobre seus ciúmes. São incríveis os textos apresentados. Discutimos o tema em sala de aula. Muito produtivo.

    ResponderExcluir