domingo, 9 de julho de 2017

TEXTO: O ENCANTADOR DE GOLFINHOS - KLESTER CAVALCANTI -COM GABARITO

     
  O ENCANTADOR DE GOLFINHOS
      
               A história do homem que se dedica a estudar e preservar os golfinhos de Fernando de Noronha. Em troca, eles já salvaram sua vida.
 (…)
O primeiro encontro foi em setembro de 1990. Era uma bela manhã ensolarada e José Martins já estava observando Luíza, a distância, havia quase duas horas. Aproximou-se lentamente, sem deixar transparecer o interesse. A menos de 2 metros de distância, percebeu que ela tinha um peculiar sinal no ventre. Ficou ainda mais interessado. Quando a olhou nos olhos, Luíza virou-lhe as costas e afastou-se. José Martins, persistente, ainda tentou segui-la. Mas ela foi mais rápida e sumiu na imensidão azul. Hoje, exatamente 13 anos mais tarde, José Martins está com 40 anos, é solteiro e sonha em ser pai. Luíza acabou de completar 18 anos e tem dois filhos lindos: Ubiratan, de 10 anos, e Vera, 7. José Martins é o oceanógrafo gaúcho que há mais de uma década dedica-se a estudar os golfinhos rotadores de Fernando de Noronha. E Luiza é um dos animais que o trabalho de Zé – como ele é mais conhecido – ajuda a proteger. A relação do pesquisador com os golfinhos mudou completamente a sua vida e tem sido fundamental para a preservação da espécie. O Brasil é um país único! Afinal, qual outro lugar no mundo carrega tantas riquezas como o nosso? Mas nossos principais patrimônios são a diversidade cultural e ambiental. E os responsáveis pela preservação de tudo isso serão as crianças, os futuros adultos do amanhã. Desde janeiro de 1989, Zé Martins vive em Fernando de Noronha. Todo seu trabalho é dedicado aos golfinhos rotadores, seres que encantam a todos com suas acrobacias aéreas e aparência dócil. Graças às suas pesquisas, tem-se hoje amplo conhecimento sobre como vivem esses animais. O hábito de dar saltos extraordinários para fora da água, girando em torno do próprio eixo – razão do nome “rotador” –, por exemplo, não tem nada de exibicionismo. Quando fazem isso, os golfinhos estão comunicando aos outros integrantes do grupo o que deve ser feito. “Cada salto corresponde a uma determinada atividade, como aumentar a velocidade de deslocamento, agrupar os bichos ou definir uma rota a ser percorrida”, explica Martins. “Quanto maior o impacto do salto, mais intensa é a resposta dos outros animais.” Mas como os outros golfinhos podem ver as manobras realizadas fora da água? Eles não podem. A mensagem é traduzida por um sofisticado sistema de bio-acústica – semelhante a um sonar –, que faz com que os animais “leiam” o que deve ser feito por meio das bolhas d’água provocadas pelo impacto. Para chegar a essa conclusão, Zé Martins precisou de mais de dois anos e centenas de mergulhos entre os bichos. É nesse ambiente submarino que o pesquisador se sente mais à vontade. “O silêncio, a riqueza da vida subaquática de Fernando de Noronha e a companhia dos golfinhos são como uma terapia para mim”, diz. Mas foi também embaixo d’água que Martins passou por alguns dos maiores sustos da sua vida. Certa vez, ele estava mergulhando na Baia dos Golfinhos – local onde eles chegam pela manhã para descansar, copular e cuidar dos filhotes – quando apareceu um tubarão bico-fino, de 2 metros de comprimento. A fera partiu na direção do pesquisador, de 1,63 metro de altura. De repente, Martins ouviu um som que já lhe era bem familiar: o canto dos golfinhos. Cerca de dez animais que estavam a 100 metros de distância da cena perceberam o perigo que o cientista corria e saíram em sua defesa. Juntos, espantaram o tubarão e ainda ficaram por perto até o bicho sumir da área. “Foi uma das maiores emoções que tive durante todos esses anos de convívio com eles”, conta.

        PROBLEMAS NO PARAÍSO → Depois de tantos anos de intenso relacionamento, pesquisador e pesquisados parecem se conhecer muito bem. Zé Martins não tem dúvidas de que os bichos o reconhecem. Golfinhos se aproximarem de mergulhadores é natural. Mas, com Martins, a relação vai mais fundo. Os animais cercam o cientista gaúcho, não demonstram incômodo com sua presença e costumam encará-lo, olhando-o nos olhos – o que é raríssimo. Não seria exagero dizer que existe uma certa amizade. O convívio com Luíza – a fêmea que abre esta reportagem – é o melhor exemplo. Poucas pessoas no mundo já tiveram o privilégio de ver uma fêmea de rotador amamentando em ambiente natural. Zé Martins é uma delas. Luíza não só permitiu que ele se aproximasse como ficou tranquila e acalmou o filhote, preocupado com a presença humana. O momento rendeu uma das fotos que Martins considera especiais. Engana-se, porém quem pensa que é tudo azul na vida desse encantador de golfinhos. Em 1997, ele teve sua licença de pesquisa cassada e foi proibido de dar sua palestra semanal no auditório do Ibama, em Fernando de Noronha. As punições duraram um ano e meio e foram motivadas pelos protestos que Zé Martins estava fazendo contra exploração com dinamite de uma pedreira na ilha principal do arquipélago, a apenas 5 metros da área onde começa o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. As autoridades do lugar tinham liberado as obras e não gostaram da intervenção do cientista. “Foram tempos bastante difíceis”, recorda. Para não interromper o trabalho, Martins passou a pesquisar fora dos limites do parque, onde as condições não são tão favoráveis para o estudo dos bichos como na Baía dos Golfinhos. Para complicar ainda mais, o dinheiro acabou. Amigos e familiares o aconselharam a sair da ilha. “Eles diziam que, depois de sete anos de total dedicação, eu não podia aceitar ser tratado daquela forma”, conta Zé Martins. O pesquisador persistiu e foi ajudado por um amigo ilustre em julho de 1997, o francês Jacques Mayol, o primeiro homem a descer a mais de 100 metros de profundidade sem oxigênio, depositou na conta bancária de Martins o que chamou de “uma pequena ajuda”: 100 mil dólares. A ajudinha foi suficiente para financiar os trabalhos da equipe do projeto Golfinhos Rotador (três pesquisadores, dois educadores ambientais, um administrador e uma advogada ambiental) durante os 18 meses do castigo.

        PATRIMÔNIO NATURAL → A influência dos estudos de Martins na preservação de Fernando de Noronha e, sobretudo, na vida dos golfinhos é nítida. Com o apoio do Ibama, ele tem conseguido excelentes resultados. O texto enviado à Unesco, solicitando que o arquipélago recebesse o título de Patrimônio Natural da Humanidade, foi escrito por Zé Martins e o pedido, acatado pela Unesco. Em 1990, o pesquisador criou o projeto Golfinho Rotador, destinado ao estudo e à conservação da espécie. Há quatro anos, ele obteve mais uma vitória na defesa dos golfinhos. Desde dezembro de 1999, não é mais permitido mergulhar entre os animais, como centenas de turistas costumavam fazer próximo ao porto da ilha. Por tudo isso, a Baía dos Golfinhos é hoje o lugar mais provável do mundo para ver esses mamíferos oceânicos em grandes quantidades. Os números comprovam. Até 1995, a maior quantidade de animais avistados simultaneamente, na Baía dos Golfinhos era de 750 bichos. Em 2001, foram mais de 2 mil num só dia.
 (…)
        CIÚME DOS BICHOS → Ainda há muito a ser descoberto sobre os golfinhos. Sabe-se, por exemplo, que eles têm o cérebro maior que o dos humanos e com 50% a mais de neurônios. No entanto, o modo pelo qual toda essa fabulosa massa encefálica trabalha é pergunta ainda sem resposta. O idioma dos golfinhos, elaborado com base nos sons que eles emitem, tampouco foi traduzido pela ciência. Por tudo isso, as pesquisas de Zé Martins não devem se esgotar tão cedo. Seus planos são de continuar trabalhando e vivendo na ilha com os golfinhos, mas ele não esconde de ninguém o desejo de assumir a chefia do Parque Nacional de Fernando de Noronha. “Conheço este lugar como poucos e sei que posso ajudar ainda mais”, afirma. A obstinação desse oceanógrafo gaúcho pelos golfinhos e por Noronha é tamanha, que afeta diretamente sua vida pessoal. Desde que chegou à ilha, teve quatro relacionamentos sérios. Todas as mulheres tinham ciúme dos golfinhos. O namoro mais longo, com uma médica paulistana, durou cinco anos. O trabalho de Zé Martins tomava muito o seu tempo e a relação foi, digamos assim, por água abaixo. Hoje, a médica está casada com outro e vive no Recife. Martins prossegue com seus estudos com os golfinhos, entre análises em seu apertado escritório na ilha e mergulhos na mar azul-turquesa de Noronha. Numa das últimas vezes que mergulhou na Baía dos Golfinhos, encontrou sua velha amiga Luíza. Ela parecia feliz, acompanhada pelos dois filhotes e por outros oito animais. Zé Martins estava sozinho. Mas nem por isso menos feliz.
       Klester Cavalcanti. In: Os caminhos da Terra, ano 12, n.137. São Paulo: Peixes, setembro/ 2003.
         Vocabulário:
    • copular → manter relação sexual.
    • simultaneamente → ao mesmo tempo.

  • massa encefálica → massa do cérebro.

A partir da leitura do Texto , realize as questões propostas.

 1 - “Para chegar a essa conclusão, Zé Martins precisou de mais de dois anos…” 
 O pronome demonstrativo grifado acima refere-se à conclusão de que os golfinhos:
       A – ( ) gostam de exibir-se dando saltos giratórios.
       B – (X) usam os saltos como uma forma de comunicação com os outros animais de sua espécie.
       C – ( ) ao verem os saltos dados fora da água por um companheiro, compreendem a mensagem transmitida.
       D – ( ) comunicam-se através dos sons que emitem quando dão saltos.
       E – ( ) saltam para demonstrar o quanto são agressivos e perigosos.

2 - “O texto enviado à Unesco, solicitando, que o arquipélago recebesse o título de Patrimônio Natural da Humanidade, foi escrito por Zé Martins e o pedido, acatado pela Unesco.”
O vocábulo grifado só não indica que o pedido foi:
       A – ( ) aceito.
       B – ( ) obedecido.
       C – ( ) atendido.
       D – (X) rejeitado.
       E – ( ) considerado.

3 - “A obstinação desse oceanógrafo gaúcho pelos golfinhos e por Noronha é tamanha, / que afeta diretamente sua vida pessoal.” Pode-se estabelecer entre as orações acima a respectiva relação de:
       A – ( ) fato e causa.
       B – ( ) fato e finalidade.
       C – (X) fato e consequência.
       D – ( ) fato e condição.
       E – ( ) fato e solução.

4 - A reportagem relata algo que o cientista gaúcho, Zé Martins, ainda ambiciona. Identifique-o:
       A – ( ) Dar ao arquipélago de Fernando de Noronha o título de Patrimônio Natural da Humanidade.
       B – (X) Ser chefe do Parque Nacional de Fernando de Noronha e também pai.
       C – ( ) Ter a velha amiga Luíza como seu animal de estimação.
       D – ( ) Casar-se com uma advogada ambiental.
       E – ( ) Justificar o nome “rotador” atribuído aos golfinhos daquela região.

5 - “…a relação foi, digamos assim, por água abaixo.” 
 A expressão grifada só não indica que a relação:
       A – ( ) desfez-se.
       B – ( ) acabou.
       C – (X) solidificou-se.
       D – ( ) dissolveu-se.
       E – ( ) fracassou.

6 - “Engana-se, porém, quem pensa que é tudo azul na vida desse encantador de golfinhos.”
Identifique a opção que não exemplifica um problema enfrentado por Zé Martins em sua estada em Fernando de Noronha:
           A – ( ) Por um período, faltou dinheiro para manter o trabalho do projeto Golfinho Rotador.
           B – ( ) Ter, temporariamente, sua licença de pesquisa suspensa.
       C – ( ) Ser proibido por um ano e meio a dar palestras semanais no auditório do Ibama.
         D – ( ) O tempo dedicado ao trabalho com os golfinhos causava ciúmes nas mulheres com as quais Zé se relacionava.
       E – (X) Tornou, possivelmente, a Baía dos Golfinhos o lugar em que há maior aglomeração de golfinhos no mundo.

7 -  Só não se pode provar a amizade especial de Zé Martins e os golfinhos rotadores com a seguinte afirmativa:
           A – ( ) Os golfinhos olham nos olhos de Zé Martins.
       B – ( ) Zé Martins teve o privilégio de ver Luíza, um golfinho fêmea, amamentando.
          C – ( ) Os golfinhos cercam o oceanógrafo quando está na água.
          D – ( ) A presença do cientista gaúcho não incomoda os golfinhos.
         E – (X) Os golfinhos expuseram o mergulhador ao ataque de um tubarão de dois metros de comprimento.

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