segunda-feira, 24 de julho de 2017

ARTIGO DE OPINIÃO: ELOGIO DA DELICADEZA - FRANCISCO BOSCO - COM GABARITO

 TEXTO:ELOGIO DA DELICADEZA
               Francisco Bosco

 Situação 1: você está num bar ou restaurante com seu parceiro e este encontra um amigo que você não conhece. O amigo do seu parceiro se senta à mesa com vocês. Ele conversará, animadamente, com seu parceiro, sem, em nenhum momento, dirigir-se a você, ele insistirá em assuntos privados, que dizem respeito à amizade deles, ele não quererá saber o que você faz, o que você pensa sobre tal ou tal coisa. Ele não lhe fará nenhuma pergunta.

 Situação 2: você está numa mesa de bar ou numa roda de festa com amigos e conhecidos. Um deles fala sem parar, sem descanso, conta longas histórias, de preferência, é claro, sobre si mesmo, e é incapaz de perceber qualquer signo de enfado ou desinteresse dos que o ouvem. Trata-se do gênero the autobiography of myself according to my own view. É uma fala de tal modo sem pauses que tentar fazer um aparte seria, como na metáfora do personagem José Costa, igual a "cortar um rio a faca".

Situação 3: você conhece aquela pessoa já há algum tempo, encontra-se com ela frequentemente em ocasiões sociais, volta e meia participa de conversas em que ela está presente, vocês chegam mesmo a conversar entre si, mas ela nunca te chama pelo nome.
          Estas e outras cenas da vida urbana contemporânea parecem indicar o que se pode designar como déficit de escuta. Mesmo correndo o risco de incorrer em uma sociologia apurada, é inevitável associar esse comportamento à vigência de uma cultura espetacularizada em que o valor da existência é, para muitos, regulado pela visibilidade de si mesmo. Luiz Eduardo Soares observa, por exemplo, que a violência perpetrada por meninos de rua está diretamente ligada a uma carência de visibilidade; pois, numa sociedade que difunde ostensivamente serem o dinheiro e a celebridade os valores fundamentais de reconhecimento social, ao mesmo tempo em que tanto a economia financeira quanto a economia narcísica são muito pouco democráticas, o crime acaba se tornando uma maneira eficiente de ganhar dinheiro e chamar a atenção. De resto, alguém que não é contemplado pelas regras da sociedade não tem mesmo razão para manter o "pacto social".

      Em outro plano, o ator José Wilker notou, com perspicácia, que atualmente não se deve falar apenas de uma invasão de privacidade – por parte dos papparazzi etc. –, mas também, e talvez sobretudo, de uma "evasão de privacidade", como atestam as assessorias de imprensa de celebridades que ficam mandando para os veículos de mídia informações relevantíssimas sobre seus clientes, como o presente de Natal que um deu pra namorada, a roupa que a outra vai usar no desfile de Fulana, e por aí vai. Uma tal reciprocidade confirma a sentença exata do sociólogo Pierre Bourdieu, segundo a qual "toda vítima é cúmplice simbólica do que a vitima". É assim que, dos meninos de rua que roubam tênis Nike aos vídeos caseiros enviados para a triagem do Big Brother, a busca encarniçada pela visibilidade determina desejos e condutas, em maior ou menor grau. O que propus chamar de déficit de escuta, também pertence, portanto, a esse amplo quadro ético.
        As situações narradas acima convidam a uma pequena semiologia das relações pessoais, em que é preciso determinar o valor, os significados e a dimensão de certos gestos. É necessário perceber, nesse contexto, a estreita relação entre retórica e ética: o uso da pergunta, do silêncio e do nome próprio são formas que manifestam uma abertura ao outro, uma aproximação, uma disposição antes para a amizade que para o exibicionismo. Perguntar ao outro é uma forma retórica de se abrir à sua existência. Chamá-lo pelo nome próprio instaura o reconhecimento de sua singularidade. Não usar o nome próprio, insistindo nos pronomes pessoais, é generalizar o outro, isto é, não reconhecer sua singularidade. No romance de Cyro dos Anjos, O amanuense Belmiro, um dos personagens nunca chama os outros por seus nomes próprios, somente por caricaturas fônicas que ele inventa: "Florêncio" por "Abundâncio", "Belmiro" por "Porfírio" etc. o chiste, é certo, sua graça ("Abundâncio" é hilário), mas não para os que perdem o nome próprio; não é à toa que Florêncio se revolta sempre com a troca de nomes, e que o gozador, Silviano, é arrogante e autocentrado, além de péssimo filósofo.

       Com efeito, há dois tipos de chiste: um que convida o outro ao gozo comum de uma invenção inesperada, e um segundo que faz do outro o próprio instrumento do chiste, excluindo-o do gozo. É este último o caso de Silviano. É também, por exemplo, o caso dos humoristas do Pânico na TV, que fundamentam seu humor no constrangimento.
     A delicadeza é uma estratégia sutil e rizomática para desarmar a arrogância e esvaziar as formas de vida que prejudicam a sociabilidade sem, tampouco, produzir solidões inventivas e afirmativas. Escutar é uma das manifestações fundamentais da delicadeza. Mas escutar é uma positividade: não se confunde com o silêncio, com o deixar de falar. Pode-se ser silencioso e não se ter escuta, como se pode tê-la sendo loquaz. A escuta é ativa, é uma oferta – pela qual se recebe o outro. E a fala pode ser, ela mesma, uma escuta: sendo suspensiva, não-arrogante, deixando espaço para o outro. A delicadeza é uma virtude do século 21. Uma das propostas éticas para este milênio.

BOSCO, Francisco. Elogio da delicadeza. In: Cult – REVISTA BRASILEIRA DE CULTURA, ano 10, nº 115, julho/2007, São Paulo. p. 34-35.

 De acordo com o texto I, responda as questões de 01 a 05:
 01) Em: "Estas e outras cenas da vida urbana contemporânea parecem indicar o que se pode designar como déficit de escuta." A expressão "déficit de escuta" é explicada
a) com exemplos repetitivos de casos em que os amigos ignoram-se uns aos outros.
b) com situações hilariantes que indicam um comportamento inusitado de pessoas extravagantes.
c) com alguns exemplos do comportamento das pessoas que não conseguem enxergar senão a si mesmos.
d) com situações pouco definidas acerca da ausência de desconfiança de algumas pessoas inconvenientes.
e) com situações incompreensíveis, as quais nos deixam desanimados com o comportamento egoísta de algumas pessoas.

 02) Nas relações sociais, o autor defende,
a) a necessidade de melhorar o padrão de vida das pessoas mais pobres.
b) que toda vítima torna-se responsável pela violência impetrada contra ela.
c) a necessidade de determinar valores, significados e a dimensão de cada gesto.
d) o papel relevante de pessoas como os paparazzi etc. que estimulam a privacidade.
e) a necessidade de repensar o tratamento dado aos menores infratores que vivem nas ruas.

03) No texto, o uso do nome próprio é
a) criticado.            d) defendido.
b) desprezado.       c) ironizado.
e) desestimulado.

04) No trecho: "Em outro plano, o ator José Wilker notou, com perspicácia, que atualmente não se deve falar apenas de uma invasão de privacidade – por parte dos papparazzi etc. –, mas também, e talvez sobretudo, de uma ‘evasão de privacidade’". Os sentidos de "invasão" e "evasão", considerando os prefixos, remetem para a ideia de, respectivamente,
a) negação e afirmação.              d) exterioridade e afirmação.
b) exterioridade e negação.     
c) afirmação e interioridade.      e) interioridade e exterioridade.

05) O texto "Elogio da delicadeza" constrói-se
a) expondo uma ideia, sem posicionamentos acerca do assunto tratado, descrevendo situações comuns.
b) apresentando um ponto de vista, o qual se desenvolve, fundamentando com exemplos e discussões.
c) a partir da descrição de um processo social, de forma objetiva, levando o leitor a tirar suas próprias conclusões.
d) segundo uma organização narrativa, apresentando fatos do cotidiano, caracterizando o que conhecemos como crônica.
e) a partir de sequências narrativas e descritivas, com o fim de contar uma fato importante que diz respeito à forma como as pessoas se relacionam.

06) Por sinestesia compreende-se a transferência de percepção, resultando numa fusão de impressões sensoriais de grande poder sugestivo. Assinale a alternativa que apresenta um exemplo dessa figura de linguagem:
a) Li várias páginas daquele livro.
b) Ele falava grosseiramente com a namorada.
c) Ele dizia palavras geladas e amargas à namorada.
d) Li algumas páginas daquele livro.
e) Adoro ouvir Chico Buarque.

 07) Assinale a alternativa que contenha a figura de linguagem presente na mensagem a seguir:



a) comparação
b) antítese
c) paradoxo
d) catacrese
e) hipérbole

08) Observe a charge a seguir: Na tirinha de Maurício de Sousa, o menino de chapéu é o Chico Bento, personagem que vive no interior e tem como marca uma fala "caipira". O entendimento que Chico Bento faz da fala do outro menino é literal, pois não considerou que ali havia uma figura de linguagem.


 Assinale a alternativa que identifique essa figura de linguagem.
a) antítese
b) metonímia
c) catacrese
d) metáfora
e) prosopopeia

09) Marque a opção que contenha a figura de linguagem presente na imagem a seguir:

a) hipérbole
d) metáfora
b) metonímia
c) catacrese
e) paradoxo

10) A seguir, na música "Nuvem" do cantor Belo, em destaque há uma figura de linguagem denominada:


Uma nuvem me falou que iria chover... gotas de saudade
Imagine você... eu conversando com a nuvem é loucura
E ela me falou assim pra eu não me dedicar demais
E nesse sonho é que eu prefiro acreditar

a) hipérbole
b) metonímia
c) catacrese
d) metáfora
e) prosopopeia  


11) Com base na charge, considere as afirmativas a seguir.

 III) Em quarenta anos, a relação homem-mulher sofreu alterações no que se refere à liderança no seio familiar.
III) A fala "Que notas são estas?" foi mantida no período de quarenta anos, embora o receptor nas duas épocas seja diferente. III) A imagem representativa dos anos 60 difere da segunda também em função da relação professor-aluno.
IV) A atribuição de responsabilidade sobre o mau desempenho do aluno é diferente se comparadas as duas épocas.

Assinale a alternativa correta.
 a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.


12) O homem evoluiu. Independentemente de teoria, essa evolução ocorreu de várias formas. No que concerne à evolução digital, o homem percorreu longo trajeto da pedra lascada ao mundo virtual. Tal fato culminou em um problema físico habitual, ilustrado na imagem, que propicia uma piora na qualidade de vida do usuário, uma vez que

a) a evolução ocorreu e com ela evoluíram as dores de cabeça, o estresse e a falta de atenção à família.
b) a vida sem o computador tornou-se quase inviável, mas se tem diminuído problemas de visão cansada.
c) a utilização demasiada do computador tem proporcionado o surgimento de cientistas que apresentam lesão por esforço repetitivo.
d) o homem criou o computador, que evoluiu, e hoje opera várias ações antes feitas pelas pessoas, tornando-as sedentárias ou obesas.
e) o uso contínuo do computador de forma inadequada tem ocasionado má postura corporal.

13) O argumento presente na charge consiste em uma metáfora relativa à teoria evolucionista e ao desenvolvimento tecnológico. Considerando o contexto apresentado, verifica-se que o impacto tecnológico pode ocasionar
a) o surgimento de um homem dependente de um novo modelo tecnológico.
b) a mudança do homem em razão dos novos inventos que destroem sua realidade.
c) a problemática social de grande exclusão digital a partir da interferência da máquina.
d) a invenção de equipamentos que dificultam o trabalho do homem, em sua esfera social.
e) o retrocesso do desenvolvimento do homem em face da criação de ferramentas como lança, máquina e computador.

14) Assinale a opção INCORRETA quanto à análise mórfica das palavras a seguir:
a) DEIXAR – radical;
b) AMAR – vogal temática verbal;
c) MENINOS – desinência nominal de número;
d) MENINAS – desinência nominal de gênero;
e) CASA – vogal temática nominal.

15) Assinale a opção CORRETA quanto à análise mórfica das palavras a seguir:
a) VIVER – radical;
d) INFELIZMENTE – sufixo;
b) COMER – vogal de ligação;
c) FELIZMENTE – prefixo;
e) DENTE – vogal temática nominal.




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