domingo, 14 de maio de 2017

TEXTO LITERÁRIO: DIVA - JOSÉ DE ALENCAR - PARA O ENSINO MÉDIO - COM GABARITO

LITERATURA: DIVA
                             José de Alencar

        Era uma hora da noite. Eu esperava Emília com os olhos fitos na janela de seu quarto, as únicas em toda a casa que ainda apareciam frouxamente esclarecidas. Já te disse que os aposentos de Emília, uma alcova, um gabinete de vestir e uma sala de trabalho, ocupavam a face esquerda do edifício. Desse lado o sobrado apoiava-se a uma escarpa da colina, que lhe serviria como de alicerce, e que para elegância da construção o arquiteto disfarçara com um terraço.
        O gabinete de Emília abria uma porta para esse terraço. Ali no quarto iluminado pela claridade interior, via eu de longe desenhar-se seu vulto esbelto. Avançou até a borda do rochedo escarpado.
        --- Que vai ela fazer, meu Deus! – balbuciei trêmulo e frio de susto.
        Esquecendo tudo, para só lembrar-me do risco imenso que sua vida corria, fui para soltar um grito de pavor que a suspendesse: mas ela, resvalando pelas pontas erriçadas do rochedo abrupto, já tocava a planície. Pouco depois estava junto de mim, alma, risonha sem a menor fadiga.
        --- Aqui estou! – disse afoitamente, abaixando o capuz da longa mantilha.
        --- Para que arrisca a sua vida, D. Emília? Se eu soubesse... Não tinha aceitado! Ela ergueu os ombros desdenhosamente.
        --- Ainda estou frio! ... Parecia-me a cada momento que o pé lhe faltava e ...
        --- Eu morria! ... Se não fosse isso teria eu vindo?
        Podíamos ficar onde estávamos, tranquilamente sentados no sofá... Para que serviria a vida, se ela fosse uma cadeira? Viver é gastar, esperdiçar a sua existência, como uma riqueza que Deus dá para ser prodigalizada. Os que só cuidam de preservá-la dos perigos, esses são os piores avarentos!
        --- E quem se priva a si do mais belo sentimento, quem se esquiva de amar, não é avaro também da vida, avaro do seu coração e das riquezas de sua alma? A senhora o é, S. Emília! Oh! Não negue!
        --- Como ele se engana, meu Deus! – exclamou Emília erguendo ao céu os belos olhos.
        --- Que diz?... Então posso acreditar enfim?
        E murmurei arquejante.
        Nunca até aquele momento, durante dois meses vividos em doce intimidade e no conchego estrito de nossas almas, nunca a palavra amor fora proferida em referência a nós. Emília dava-me, como já sabes, todas as preferências a que podia aspirar o escolhido do seu coração, e assumira para comigo o despotismo da mulher amada com paixão. Ela imperava em mim como soberana absoluta. Seu olhar tiranizava-me, e fazia em minha alma a luz e a treva.

                  ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Editora Ática, 1980, p. 43-44.

1 – Sobre o texto lido, só NÃO podemos afirmar:
a)     A presença de um narrador de 1ª pessoa contribui para a verossimilhança do relato e para o tom íntimo da narrativa.
b)    A onisciência do narrador é marcada pelo domínio dos fatos narrados e pela utilização do tempo pretérito.
c)     Existe no texto um leitor privilegiado, expresso pela presença da 2ª pessoa do singular.
d)    São utilizados, além da narração, o diálogo entre os protagonistas e a descrição do cenário.
e)     O narrador, de 1ª pessoa, por não ser personagem, assume uma postura crítica quanto ao relato.

2 – Podemos dizer que o texto apresenta o:
a)     Sentimento amoroso como algo sublime e divino, responsável pela plena felicidade do ser amante.
b)    Personagem masculino como o elemento dominador da situação amorosa.
c)     Protótipo do personagem feminino encontrado nos romances românticos: a mulher etérea e submissa.
d)    Tipo de atmosfera cara a vários autores românticos, evidenciado pela presença da noite e de elemento natural soturno, compondo a paisagem.
e)     Racionalismo, a sobriedade e a contenção emocional como elementos caracterizadores dos protagonistas.

3 – “Para que serviria a vida, se ela fosse uma cadeira? Viver é gastar, esperdiçar a sua existência, como uma riqueza que Deus dá para ser prodigalizada. Os que cuidam de preservá-la dos perigos, esses são os piores avarentos!”
        Na concepção de Emília, a vida é:
a)     Bela por ser perigosa e cruel.
b)    Riqueza distribuída pelos avarentos.
c)     Dádiva a ser fruída.
d)    Prisão, embora sedutora e bela.
e)     Pródiga e, paradoxalmente, avara.

4 – As figuras de linguagem presentes em:
      “E quem se priva a si do mais belo sentimento (...)”
      “Ela imperava em mim como soberana absoluta.”
      “(...) e fazia em minha alma a luz e a treva.”
              São respectivamente:
a)     Metáfora, símile e prosopopeia.
b)    Pleonasmo, silepse e antítese.
c)     Catacrese, símile e antítese.
d)    Pleonasmo, símile e antítese.
e)     Pleonasmo, metáfora e metonímia.

5 – “(...), as únicas em todo a casa que ainda apareciam frouxamente esclarecidas.”
          Esclarecidas, no texto acima, significa:
a)     Lúcidas.
b)    Explicadas.
c)     Cultas.
d)    Claras.
e)     Limpas.

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