quinta-feira, 27 de abril de 2017

A MORENINHA - JOAQUIM MANUEL DE MACEDO - (FRAGMENTO) - COM GABARITO

   A MORENINHA
         Joaquim Manuel de Macedo

          Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhado abaixo.
          Em um sarau todo o mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza de todos os regalos da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu; estão no seu elemento; aqui uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos, por entre os quais surde, às vezes, um bravíssimo inopinado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que acaba de ganhar sua partida do écarté, mesmo na ocasião em que a moça se espicha completamente, desafinando um sustenido; daí a pouco vão outras pelo braço de seus pares, se deslizando pela sala  e marchando em seu passeio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que vieram para o chá, e que ela leva aos pequenos que, diz, lhe ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dândi que dirige mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns é regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.
          E o mais é que nós estamos num sarau: inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de... senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade: alegre, numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e mostra em toda a parte borbulhar o prazer e o bom gosto.
          Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que com aturado empenho se esforçam por ver qual delas vence em graças, encantos e donaires, certo que sobrepuja a travessa Moreninha, princesa daquela festa.
          Hábil menina é ela! Nunca seu amor-próprio produziu com tanto estudo seu toucador e, contudo, dir-se-ia que o gênio da simplicidade a penteara e vestira. Enquanto as outras moças haviam esgotado a paciência de seus cabeleireiros, posto em tributo toda a habilidade das modistas da rua do Ouvidor e coberto seus colos com as mais ricas e preciosas joias, d. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que deixou cair pelas costas; não quis adornar o pescoço com seu adereço de brilhantes nem com seu lindo colar de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas simples vestido de garça, que até pecava contra a moda reinante, por não ser sobejamente comprido. Vindo assim aparecer na sala, arrebatou todas as vistas e atenções.
          Porém, se um atento observador a estudasse, descobriria que ela adrede se mostrava assim, para ostentar as longas e ondeadas madeixas negras, em belo contraste com a alvura de seu vestido branco, e par mostrar, todo nu, o elevado colo de alabastro, que tanto a aformoseava, e que seu pecado contra a moda reinante não era senão um meio sutil de que se aproveitara para deixar ver o pezinho mais bem feito e mais pequeno que se pode imaginar.

                      MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. 9. ed. São Paulo,
                                                                                                 Ática, 1979. p. 80-1.
Minuete: antiga dança francesa.
Cavatina: pequena ária.
Écarté: jogo entre dois parceiros com 32 cartas.
Ataviado: enfeitado, ornado.
Dândi: homem que se veste com extremo apuro; almofadinha.
Batel: pequeno barco.
Toucador: espécie de cômoda encimada por um espelho; penteadeira.
Adereço: joia, objeto de adorno.
Sobejamente: demasiadamente.
Adrede: intencionalmente; de propósito.
Colo: parte do corpo formada pelo pescoço e ombros.
Alabastro: rocha pouco dura e muito branca; brancura, alvura.

1 – A que classe social pertencem as personagens que aparecem no texto?
       Pertencem à elite da sociedade carioca da época.

2 – Segundo Werneck Sodré, Macedo refletiu as “trivialidades” dos meados do século XIX. Identifique, no texto lido, elementos que denotam essa trivialidade.
       A preocupação com a indumentária, os galanteios, os mexericos.

3 – O baile era muito importante na vida social e sentimental do século passado, pois as mulheres viviam reclusas no ambiente doméstico e o baile propiciava os encontros que poderiam se transformar em namoro e casamento. Como se reflete essa preocupação na indumentária das mulheres?
       Todas procuravam atingir o requinte máximo de elegância, de acordo com a moda da época.

4 – Que característica romântica se pode notar na descrição da personagem central da narrativa?
       A personagem é idealizada.


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