sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

CONTO: EU, ADOLESCENTE? ESTOU FORA, MEU.- LOURENÇO DIAFÉRIA - COM GABARITO

 CONTO: EU, ADOLESCENTE? ESTOU FORA, MEU
                   Lourenço Diaféria


       Conheço várias pessoas que juram que nunca tiveram adolescência. E acredito. Eu mesmo sou uma delas. Por favor, não me olhem desse jeito como se eu fosse anormal. Não foi culpa minha. Tive catapora, sarampo, caxumba, duas fraturas de cúbito e rádio, cheguei a ter espinhas, mas nunca fui além disso. Adolescência mesmo, que eu me lembre, não tive. E se tive, eu estava muito ocupado para perceber.

         Acho que foi mais ou menos o que aconteceu com o Napoleãozinho, filho da dona Letícia. Na idade em que todo garoto gosta de brincar de mocinho e bandido, Napoleãozinho enfiava um chapéu de papel na cabeça e ficava brincando de guerra. Dona Letícia punha as mãos na cintura:
       - Eta, guri. Se continuar desse jeito vai acabar general. – Dito e feito. O menino entrou na escola e com 16 anos já era oficial de artilharia. Daí pra frente ninguém mais segurou o Napoleão Bonaparte.
         O Monet foi outro. Vocês devem ter ouvido falar do Monet. Em vez de ser adolescente como qualquer adolescente de 15 anos, ficava o tempo todo fazendo caricaturas. Deu no que deu. Foi obrigado a passar o resto de sua vida pintando quadros que impressionavam os críticos e marchands.
          Porém, o caso mais impressionante de falta de adolescência aconteceu no Brasil com um garoto chamado Pedrinho. Esse foi demais da conta. O menino não tinha nem seis   aninhos, coitado, foi obrigado a largar as brincadeiras, a babá, as bolinhas de gude, o ioiô, e foi proclamado imperador. O garoto era tão pequeno que teve de dar um tempo, tomar vitaminas, para ficar forte e aguentar o peso da coroa na cabeça. Resultado: quando envelheceu foi morrer em Paris, num quarto de hotel, chateado da vida.
         Meu caso foi diferente. Eu não fui adolescente porque no meu tempo ninguém era adolescente. Os adolescentes estavam todo em colégio interno e desfilando de uniforme no Dia da Pátria. A gente era moleque, só isso. Mesmo que alguém, vamos dizer, cismasse de fazer alguma adolescentice, era obrigado a fazer lá fora, no quintal. E se voltasse para casa com os pés sujos entrava na chinelada. Era uma droga. Os pais não entendiam a gente. E o pior é que a gente também não entendia os pais da gente. Essa foi a razão por que eu não via a hora de fugir de casa e largar meus pais se descabelando de desespero, implorando para eu voltar, e eu nem tchum. Pegava minha mochila, penteava os cabelos, calçava as alpargatas e ia embora de uma vez por todas. Nem avisava na escola para a professora tirar meu nome do livro de chamada. Sumia, pronto. Me esqueçam. Na hora da janta eu mudava os planos. Então meus pais aproveitavam para se vingar de mim. Me obrigavam a engolir a horrível sopa de legumes e depois me forçavam a comer o horrível bife de fígado acebolado. Era uma droga sem tamanho.
          Mesmo o Piolho, não sei bem se ele foi adolescente. O que sei é que ele queria ser o diferente da turma. O Piolho tinha esse apelido porque era loiro como um piolho. Morava na mesma rua que a gente e de repente a voz dele começou a ficar meio grossa, meio fina. Uma hora parecia o Hugo de Carril, outra hora parecia o Pato Donald. Acho que era porque ele fumava escondido do pai, da mãe, da avó e dos tios. Um dia o pai dele virou a esquina bem na hora em que o Piolho estava dando uma demonstração de fumaça pelo nariz, o Piolho apagou o Aspásia na hora, engoliu o cigarro com nicotina e tudo. Nesse dia a voz do Piolho engrossou de vez[...].
        Outro cara diferente foi o Gasosa. Além da coleção do Suplemento Juvenil ele juntava revistas de porcaria. Vivia mostrando escondido. Quando passava alguém o Gasosa disfarçava, fazia de conta  que  a gente estava vendo os quadrinhos do Dick Tracy. O Gasosa também quebrava vidraças. Ninguém quebrou mais vidraças do que ele. Era conhecido como o moleque-sem-vergonha. Os donos das vidraças tinham ódio do Gasosa. Até que um dia deu-se o seguinte: o Gasosa morreu atropelado. Foi uma coisa muito inesperada. E foi até engraçado. Todo mundo que achava que o Gasosa era moleque-sem-vergonha foi ver ele morto no caixão. Parecia outro. Quieto, pálido, nem de perto lembrava o bicho-carpinteiro que tinha sido. As pessoas olhavam, jogavam água-benta, murmuravam: “Descansou”.
        Pensando melhor, talvez eu tenha tido adolescência, mas sem saber que era adolescência. Devia ser um mistério com outro nome. Ou uma mágica, cujo truque os pais conheciam, e passavam uns aos outros, em longas conversas, nas noites propícias para trocar ideias e experiências, e ouvir a própria voz humana, acima dos ruídos do mundo, como se ouvia o canto dos galos nas madrugadas. Seja como for, seja como tenha sido,   bem que gostaria de dizer: eu, adolescente? Estou fora, meu. Fazer de conta que parti com minha mochila às costas. Tirar meu nome da lista de presença. Contudo, a cada passo que ensaio nessa imaginária fuga, mais me vejo sitiado de bonês de abas viradas, reggaes, tênis de cano alto, games, dance misics, clips, fast foods, e alguns olhares cheios de perguntas mudas.  E confesso: sempre fico na dúvida entre dizer- Que droga! – ou contar algumas coisas que aprendi no meu quintal.
 (Lourenço Diaféria. Pais& Teens, ano1, nº 1.)


COMPREENSÃO  E  INTERPRETAÇÃO


1.Na introdução do texto, o narrador afirma que, no passado, teve catapora, sarampo, caxumba, fraturas de ossos, mas adolescência   não. Portanto, ele situa a adolescência em qual destes campos semânticos: fases da vida, doenças ou relacionamentos?
Fases da vida.

2.Segundo o narrador, assim como ele, outras   pessoas não tiveram adolescência. E cita como exemplos três pessoas ilustres que não tiveram adolescência.
a)      Quem são essas pessoas?
       Napoleão Bonaparte, Monet e o garoto Pedrinho.

       b)  Que efeito produzem, no contexto, os diminutivos Napoleãozinho  e Pedrinho? Por quê?
       Adolescente. Porque tinha na faixa de 15 anos.

 3.O narrador faz referência ao seu relacionamento com os pais.
a)      Como era esse relacionamento?
Era ruim, a falta de entendimento.

       b) O que fugir de casa representava para ele? Justifique sua resposta.
              Liberdade. Ter o direito de ser adolescente.

  4.  No final do texto, o narrador revela uma dúvida que tem ao ver os jovens de hoje:  dizer ”Que droga!” ou contar algumas coisas que aprendeu no seu quintal Interprete.
a)      Por que diria “Que droga!”?
Pelas frustações passadas.

b)      Que tipo de coisas poderia contar aos jovens atuais?
As experiências tidas na adolescência.

    5.Ao longo do texto, o narrador muda seu ponto de vista sobre a possibilidade de ter tido adolescência.
a)      O que foi narrado entre o início e o fim do texto?
A não existência da adolescência.

b)      Logo, que papel cumpre esse relato que retoma fatos vividos no passado?
O papel de como deve ser tratado a adolescência nos dias de hoje.


INTERPRETAÇÃO DO TEXTO

1) A forma como se inicia um conto pode ser fundamental para prende  a  atenção do leitor ou para fazê-lo desistir de ler. Observe o primeiro parágrafo desse conto: ele prende nossa atenção de imediato? Explique por quê.
Sim. Porque fala de uma fase da vida.

2) O narrador não participa dos acontecimentos, mas ele conta a história como se visse os fatos pelos olhos do menino e sentisse tudo o que ele sente.
     a) Copie do texto um exemplo que mostra que o narrador conhece os sentimentos do menino.
     Adolescência mesmo, que eu me lembro, não tive.

     b) O fato do narrador “entrar na pele” do menino reflete a linguagem usada por ele – cheia de termos coloquiais – para contar a história. Retire do texto exemplos deste modo de falar.
     Eta, guri. Se continuar desse feito vai acabar General.

3) O menino tem um conceito negativo sobre as pessoas adultas que conhece. Copie do texto uma passagem que comprove esta afirmação.
     Os donos das vidraçarias tinham ódio do moleque-sem-vergonha.

4) Desfecho é o encerramento, a conclusão de um conto, de um romance. Comente o desfecho deste conto. Que outro desfecho você daria para ele?
     Resposta pessoal.





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